sexta-feira, 29 de maio de 2015

Fundo do Petróleo norueguês excluirá carvão de seus investimentos

Ontem (28/5), o parlamento norueguês (Stortinget) deu um passo inédito para reduzir os investimentos globais em combustíveis fósseis. Partidos de oposição e governo concordaram, no âmbito da Comissão de Finanças do parlamento, em estabelecer regras para excluir as empresas que exploram carvão do portfólio de investimentos do Fundo de Petróleo norueguês, um dos maiores fundos de investimento do mundo (cerca de US$ 900 bilhões). O acordo ainda vai a votação formal no próximo dia 5 de junho, mas tudo indica que deve ser consolidado, diante do consenso político alcançado. A notícia foi comemorada por organizações ambientalistas norueguesas, que há tempos já vinham atuando politicamente no sentido de aprovar essa regra.


Termelétricas a carvão na China também recebem investimentos do Fundo de Petróleo norueguês.
Foto: Jason Lee/Reuters /NTB Scanpix

As regras, que futuramente devem vir a fazer parte das diretrizes éticas do Fundo, determinam que empresas que tenham mais de 30% de seu faturamento ou de suas atividades relacionados à exploração de carvão devem ser excluídas do portfólio do Fundo. Essa regra deve se tornar parte das diretrizes éticas administradas pelo Conselho de Ética (Etikkrådet) do Fundo, entidade autônoma que tem o poder para investigar violações e aplicar os critérios para exclusão de empresas do Fundo. O carvão entra agora na lista dos investimentos proibidos do Fundo, somando-se ao tabaco e armamento (este último com exceções).


O critério deve, primordialmente, alcançar empresas de mineração e produção de energia que têm uma parte relevante de sua atividade relacionada a carvão como fonte de energia. Investimentos da ordem de US$ 5 bilhões em cerca de 75 empresas que exploram ou usam carvão podem ser abrangidos pelo novo critério, de acordo com o Ministério das Finanças.


Declaração de Estocolmo com Obama pautou a agenda política no Stortinget

Em setembro de 2013, logo antes de perder as eleições para a coalizão de direita que hoje governa o país, o ex-primeiro-ministro Jens Stoltenberg, do partido trabalhista (Ap), viajou a Estocolmo para se encontrar com o presidente norte-americano, Barack Obama, e os primeiro-ministros da Dinamarca, Finlândia, Islândia e Suécia. Lá, os líderes dessas nações assinaram uma declaração conjunta abordando diferentes temas como desenvolvimento, paz global, direitos humanos e mudanças climáticas. Um dos pontos dessa declaração dizia respeito à necessidade de eliminar o financiamento público de novas termelétricas a carvão, e buscar o apoio de outros países e de bancos de desenvolvimento para adotar políticas similares.

Em dezembro de 2013, já na oposição, o Ap passou a trabalhar essa agenda no parlamento como prioridade, dando ressonância à pressão exercida pelas organizações ambientalistas. Parlamentares do partido apresentaram uma proposta na Comissão de Finanças sugerindo a criação de um grupo de especialistas para avaliar a possibilidade de criar uma diretriz para exclusão de empresas que exploram carvão do portfólio do Fundo do Petróleo.

Este grupo de especialistas foi criado em abril de 2014, no âmbito do Ministério das Finanças do governo, pasta comandada pela toda-poderosa Siv Jensen, do partido progressista de ultra-direita (FrP). Jensen é uma cética climática declarada; questionada em uma entrevista na TV se ela mesma estava convencida de que as mudanças climáticas documentadas nas últimas décadas eram provocadas pelo ser humano, respondeu categórica: "não".

Em dezembro de 2014, o grupo de especialistas publica um relatório morno, desaconselhando a criação de um critério de exclusão de empresas que usam carvão da carteira do fundo, e afirmando ser "pouco provável" que tal regra viesse a resultar na redução de emissões globais. Ao invés, recomenda que o fundo permaneça como investidor ativo e passe a influenciar as empresas "de dentro", na qualidade de acionista.

Uma vez submetido ao parlamento, o relatório foi duramente criticado por parlamentares da oposição e dos partidos de centro pequenos, mas não menos importantes, pois são frequentemente os fiéis da balança na luta pela maioria parlamentar. Com a maioria parlamentar contrária ao relatório do Ministério das Finanças, não restou alternativa aos partidos de direita Høyre (partido da atual primeira-ministra Erna Solberg) e ultradireita FrP a não ser dar o braço a torcer e declarar o apoio.


Fundo ainda investe pesado em carvão, apesar do futuro sombrio do setor

Durante esse processo político, houve muita pressão da sociedade civil ambientalista para o estabelecimento da regra de exclusão do carvão. As ONGs norueguesas Greenpeace Noruega, Framtiden i Våre Hender (FIVH) e a alemã Urgewald já vinham alertando autoridades sobre a necessidade de cortar investimentos na indústria de carvão, considerada a inimiga climática número um no mundo.

De acordo com um relatório lançado pelas três organizações na semana passada, mais de 3/5 do aumento das emissões globais de CO² desde o ano 2000 são provenientes da queima de carvão. O relatório aponta também que o Fundo, embora tenha se livrado dos investimentos em empresas que exploram exclusivamente carvão no fim de 2014, ainda é um investidor pesado no setor: as empresas que constam da carteira do Fundo hoje representam 23% da produção global de carvão.

Por outro lado, continuar investindo em carvão não parece mesmo ser um bom negócio, a longo prazo. Outro relatório publicado também em Maio de 2015 pelo Institute for Energy Economics and Financial Analysis (IEEFA) mostra que a indústria de carvão no mundo está em queda livre: baixos preços, perspectivas ruins de crescimento, e resistência política e popular fazem do carvão um mal negócio. Nos EUA, um terço das termelétricas a carvão podem fechar as portas até 2020. Gás natural barato e mais renováveis, aliado a uma regulação cada vez mais estrita, torna sombria a perspectiva de futuro da indústria do carvão. Ou seja, mesmo sob a ótica da pura rentabilidade financeira, eliminar o carvão da carteira do Fundo norueguês é a melhor solução a médio e longo prazo.


Da cava para a queima: perfil dos investimentos do Fundo em carvão mudou

Outra tendência apontada pelo relatório da aliança de ONGs é que o perfil dos investimentos do Fundo em carvão também mudou: embora os investimentos em empresas de mineração de carvão tenham caído em 2014 (em relação a 2013), houve na realidade uma transferência de investimentos de mineração de carvão para a queima de carvão, de acordo com a Urgewald.

O exemplo apontado dos EUA é claro: embora o Fundo de Petróleo tenha se retirado de quase todas as empresas de mineração de carvão, aumentou sua participação acionária em empresas de energia que usam carvão para geração. De acordo com o relatório, essas empresas de energia queimam hoje 355 milhões de toneladas de carvão por ano; o Fundo tem US$ 2,6 bilhões dos contribuintes noruegueses investidos lá.

Na China vem acontecendo o mesmo. São cerca de US$ 1 bilhão dos gordos bolsos noruegueses investidos em 11 empresas de energia a carvão, que queimam 424 milhões de toneladas por ano, gerando emissões quase vinte vezes maiores do que toda a Noruega. Lá o perigo ainda é maior, considerando os planos de expansão em escala chinesa de termelétricas a carvão no continente todo.


Regra baseada em percentual pode excluir os maiores consumidores de carvão

Alguns críticos da medida vêm sustentando que o critério percentual é um compromisso político, e que pode gerar distorções, deixando de fora as maiores consumidoras de carvão. Grandes corporações que têm negócios em diferentes setores podem ser, ao mesmo tempo, grandes consumidoras de carvão e ainda assim ter menos de 30% de sua atividade ou seu faturamento ligado ao vilão fóssil. Seria o caso, como ilustra o conservador jornal Aftenposten (que não viu com muita simpatia a medida), de gigantes como BHP Billiton e Anglo American, que figuram entre as dez maiores produtoras mundiais de carvão.



fontes:
https://www.stortinget.no/no/Hva-skjer-pa-Stortinget/Nyhetsarkiv/Hva-skjer-nyheter/2014-2015/enstemmighet-om-a-trekke-pensjonsfondet-ut-av-kull/
https://www.whitehouse.gov/the-press-office/2013/09/04/joint-statement-kingdom-denmark-republic-finland-republic-iceland-kingdo
https://www.stortinget.no/no/Saker-og-publikasjoner/Publikasjoner/Innstillinger/Stortinget/2014-2015/inns-201415-290/
https://www.stortinget.no/no/Saker-og-publikasjoner/Publikasjoner/Representantforslag/2013-2014/dok8-201314-016/#a1.3
https://www.regjeringen.no/nb/aktuelt/Ekspertgruppe-om-investeringer-i-kull--og-petroleumsselskaper/id755273/
http://etikkradet.no/mandat/
http://www.aftenposten.no/nyheter/iriks/politikk/Siv-Jensen-tviler-pa-om-klimaendringene-er-menneskeskapte-7999333.html
https://www.urgewald.org/sites/default/files/typ_download/still_dirty.final_.compressed.pdf
http://ieefa.org/wp-content/uploads/2015/05/Case-for-Divesting-Coal-from-the-Norwegian-Government-Pension-Fund-Global_compressed.pdf
http://www.aftenposten.no/okonomi/Stortinget-vil-dumpe-kullet---men-ikke-verdens-storste-kulleksportor-8035560.html
http://www.wsj.com/articles/norway-oil-fund-to-exit-coal-exposed-utilities-1432759583
http://www.wsj.com/articles/norway-oil-fund-sheds-more-coal-assets-1430765503


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