sábado, 21 de setembro de 2013

Por quê ninguém rouba a minha bolsa?

Sabe aquela sensação que se tem quando você esquece sua bolsa com tudo dentro no bar e só lembra no dia seguinte?

No Brasil, a sensação é de desespero seguida de resignação e preguiça de ter que atravessar a via-crucis burocrática para tirar RG novo e tudo mais. Esperança real de recuperar a dita é ínfima, é quase como tirar o bilhete premiado.

Na Noruega, a chance de conseguir rever sua bolsa - com tudo dentro - é grande, de acordo com um interessante artigo que li hoje. Lá diz que os noruegueses são campeões em confiar no próximo, e que isso torna não apenas a vida mais simples, mas o país mais rico economicamente também.


 Se você perder sua carteira neste bar de Oslo, pode botar fé em reavê-la.

 Um curioso "teste da carteira perdida", feito pela revista Readers Digest pretende "medir" esse grau de confiança através da proposital "perda" de 10 carteiras por cidade, em mais de 100 diferentes cidades no mundo; cada carteira com 50 dolares e o contato do dono. Em Oslo, as 10 foram devolvidas; em Brasília, o resultado foi surpreendente positivo: 5 foram devolvidas, 5 se foram.

É claro que a revista não é um cânone do mundo científico, mas interessante pensar sobre o quanto a confiança no próximo pode tornar o país economicamente mais rico e a vida mais simples.

Não apenas porque não vou precisar me aporrinhar no Poupatempo para tirar documento novo, mas por todo o aparato formal-burocrático existente no Brasil para provar que alguém não consiga passar a perna no próximo.

Por exemplo, xerox autenticado e firma reconhecida: existem para dizer que aquela cópia não é falsificada, e que aquela pessoa não falsificou sua assinatura. É a inversão do ônus da prova de sua honestidade: é falso até que se prove o contrário. Quanto tempo se gasta, quanto se ganha e quanto se rouba com todo esse aparato? Quando as pessoas confiam nas outras, há menos necessidade de advogados, menos necessidade de contratos formais.

Outras pesquisas do gênero indicam que países ricos e sem desigualdade social são onde a confiança prospera mais facilmente, já que há menos criminalidade, mais segurança, portanto menos o que temer.
Confiança dos noruegueses no Parlamento é tão alta que se consegue discutir política de verdade.

 A confiança do norueguês parece se aplicar também ao governo e aos políticos em geral. Sem o fisiologismo do toma-la-da-ca que envenena a vida política no Brasil, é possível discutir democraticamente o que é melhor para o país num horizonte de tempo bem mais amplo do que mandatos de 4 anos. Foi assim que conseguiram por exemplo criar uma política petrolífera capaz de produzir e distribuir riqueza interna a ponto de alçar um dos países mais pobres da Europa ao que é hoje.

Há quem diga que a confiança dos noruegueses é ao mesmo tempo sua maior força e sua maior vulnerabilidade. É então de se imaginar como essa fortaleza deve ter sido tão duramente atingida quando um jovem vestido de policial - a representação em si da confiança nas instituições - se aproxima de um grupo de adolescentes da juventude do Partido Trabalhista, na ilha de Utøya, para então abrir fogo e matar mais de 70.

sábado, 14 de setembro de 2013

Governo norueguês vai ajudar a limpar imagem do ultradireita FrP associada a Breivik

A imprensa internacional tem repercutido criticamente as últimas eleições parlamentares na Noruega, dando destaque para a ascensão ao poder do ex-partido do terrorista Anders Behring Breivik, o populista ultradireita Fremskrittspartiet (FrP), comandado pela durona Siv Jensen.

A política de imigração do FrP é radical: asilos-prisão, expulsão, proibição de permanência por casamento, construção de asilos fora da Noruega entre outras gentilezas. O terrorista Anders Behring Breivik, que matou mais de 70 jovens do partido trabalhista Ap num ataque declarado à política de imigração do governo atual, foi brevemente filiado ao FrP, mas hoje está desligado.

Faksimile av omstridd omslag i The Independent - Faksimile av oppslag om Frp i britiske The Independent.
O The Independente chapou uma foto lado-a-lado do terrorista e da líder do FrP Siv Jensen; a verdade dói.

Jornais importantes como o The New York Times, The Guardian, NBC News, Reuters, AlJazeera, The Independent, Deutsche Welle, lembraram a passagem de Breivik pelo FrP e destacaram o caráter anti-imigração do partido e seu peso na negociação do próximo governo.

Isso causou alvoroço no pequeno Reino da Noruega. Aproveitando a onda, o ministro da cooperação Heikki Holmås, do social-democrata SV, botou lenha e twittou que é natural que o FrP seja chamado de partido populista de direita, assim como seus pares na Dinamarca (Dansk Folkeparti) e Suécia (Sverigedemokratene). Em resposta, a futura primeira-ministra Erna Solberg, do partido Høyre (Direita), tomou as dores do irmão menor e exigiu um pedido de desculpa de Holmås, que claro negou, já que a própria Grande Enciclopédia da Noruega usa o termo "populismo de direita" (høyrepopulisme) para descrever o partido (!). Depois vieram os dois menores de centro VenstreKrF, e botaram panos quentes, dizendo que a imprensa internacional exagerou, que o FrP não é tão feio assim.

Isso tudo um dia antes de se iniciarem as negociações para formação do novo governo de direita, em que o FrP é o segundo maior dentro os quatro partidos do bloco conservador, com 16% dos votos e 29 dos 169 assentos do parlamento. E já declarou que virá com tudo.

Até o próprio Ministério das Relações Exteriores (UD), pilotado pela coalizão derrotada, já viu que o ventilador vai soprar para o seu lado também. A avaliação do governo é que essa ligação sinistra entre Breivik e FrP prejudica a reputação não apenas do partido, mas de todo país. O ministro Espen Barth Eide (Ap) declarou que vai intervir junto às embaixadas para ajudar a limpar a imagem do partido e do país junto à comunidade internacional. Mais ou menos como se o Itamaraty saísse publicamente em defesa do DEM. Vão dizer o quê? Que o Breivik não é mais filiado? Que o FrP gosta de imigrante? Prato cheio para os marketeiros políticos.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Eleições na Noruega: virada conservadora ou ultraconservadora?

Anteontem (9/9/2013) houve eleições parlamentares na Noruega, e uma virada política já anunciada há alguns anos finalmente aconteceu: a mudança de governo da atual coalizão social-democrata para uma provável coalizão direita-ultradireita. Os partidos conservadores alcançaram ampla maioria no Parlamento.


A direita (azul) ganhou 96 cadeiras no parlamento, enquanto a coalizão social democrata (vermelho) ficou com 72; é preciso 86 cadeiras para obter maioria. Fonte: NRK

O espectro político azul consiste em dois partidos de direita, o Høyre (em azul claro acima), de onde vem a futura primeira-ministra Erna Solberg, o Fremskrittpartiet, de ultradireita (azul escuro), e dois partidos menores de centro, o cristão KrF (amarelo) e o "esquerda" Venstre (turquesa).

Os debates eleitorais mostraram que, por um lado, os social-democratas têm receio que um governo de cunho mais neoliberal abra espaço para maior privatização de setores hoje públicos, causando desigualdade social e desestruturando o estado de bem-estar social. Os conservadores argumentam que há má gestão no setor público e que é preciso abrir espaço para o setor privado.

Um exemplo claro da divergência entre as duas alas diz respeito ao imposto sobre grandes fortunas (formueskatt); a esquerda entende que é importante manter e se possível aumentar, para manter a igualdade social; a direita, encabeçada pelo Høyre, sustenta que o imposto afeta a capacidade de concorrência das empresas e quer elimina-lo. Essa medida viria p.ex. a beneficiar o miliardário Olav Thon (90) em cerca de RS 23 milhões.


Quem formará o próximo governo?

Como o novo governo norueguês será formado? Será uma aliança entre os 4 partidos? será uma aliança azul-escura, entre Høyre e FrP, sem os dois de centro? Ou será que Høyre e FrP se aliarão ao Venstre, deixando o KrF de lado?

 fire borgerlige partiledere  (Foto: Aas, Erlend/NTB scanpix)
 O bloco conservador: Siv Jensen (FrP), Erna Solberg (Høyre), Knut Arild Hareide (KrF) e Trine Skei Grande (Venstre) devem negociar nos próximos dias para decidir quem fica com que pedaço do bolo.

No sistema parlamentarista norueguês, depois das eleições os partidos do bloco vencedor se sentam para negociar qual será a plataforma de governo, e quem fará parte. Essa bateria de negociatas entre os quatro partidos do bloco conservador está se iniciando agora, é crucial para definir o perfil do futuro governo, e pode se estender por semanas, até que se chegue a um acordo.

O Høyre, partido principal do bloco, assume um papel de líder e mediador; Erna Solberg costuma se pronunciar de forma conciliadora, evasiva, prefere governar com todos juntos.


 A reconchuda Erna Solberg é a futura primeira-ministra norueguesa

O ultradireita FrP, por outro lado, é o cachorro-louco populista comandado pela agressiva Siv Jensen: chegam ao poder pela primeira vez com o peso de 29 assentos, e sabem que o Høyre precisa deles para governar. FrP já declarou que pretende abocanhar pelo menos 5 ou 6 ministérios, entre eles o de Finanças e o de Petróleo/Energia.


A plataforma do FrP é radical ultradireita, populista, e tem como bandeiras cortar impostos, diminuir o preço da gasolina, acabar com pedágio, expulsar imigrantes. O partido defende a retirada da assinatura da convenção de clima por entender que mudanças climáticas não são causadas pelo homem. Trata-se do partido a que se filiava o terrorista Anders Breivik que matou mais de setenta pessoas na ilha de Utøya há dois anos atrás.

Isso mesmo, com 16,3% dos votos e 29 cadeiras no parlamento, a partir de ontem.

– Morna, Jens!
Siv Jensen, de vestido 'dildo', anteontem: o ultradireita FrP deve chegar babando na mesa de negociação para formação do novo governo.

Os partidos de centro KrF e Venstre, embora menores, têm um papel-chave de fiel da balança: sem pelo menos um deles, Erna Solberg não consegue maioria para governar. Com esse trunfo, sentam-se na mesa de negociação lado a lado, e já declararam que pretendem entrar juntos. São os partidos que levantam bandeiras como ambientalismo e combate à pobreza.

Há diversos assuntos que podem rachar esse bloco conservador, afastando os partidos de centro. A abertura de Lofoten e Vesterålen, áreas de reprodução de bacalhau, para exploração de petróleo é um deles. Venstre e KrF são contra; Høyre e FrP a favor. Na prática, ou os partidos de centro se curvam (pelo menos um), ou caem fora. Neste último caso, seria formado um governo de minoria por Høyre e FrP, para muitos o pior pesadelo possível. O KrF já disse que prefere ser oposição do que sentar num governo "azul-escuro" Høyre/FrP. Resta saber quão hábil será Erna Solberg para segurar os cachorros de Siv Jensen.


domingo, 1 de setembro de 2013

Noruegueses não querem sediar Olimpíadas em 2022

Plebiscito definirá se Oslo concorrerá a sede da Olimpiada de Inverno 2022; para maioria, é grana mal gasta do contribuinte.

Os eleitores de Oslo, além de votarem nas eleições parlamentares nos próximos dias 8 e 9 de setembro de 2013, participarão também de um plebiscito para responder à seguinte questão:

- Oslo deve concorrer a sede dos Jogos Olímpicos de Inverno em 2022?


Video institucional da prefeitura de Oslo sobre a candidatura para sediar as Olimpíadas de Inverno 2022: "Um país pequeno; uma nação de esportes de inverno"

O assunto tomou as primeiras páginas dos jornais quando uma pesquisa de intenção de voto do maior jornal do país mostrou que quase metade dos entrevistados (47%) não quer saber de olimpíadas.
A partir daqui, qualquer semelhança com a realidade brasileira - guardadas as devidas proporções - não é mera coincidência.
De fato, a razão da rejeição do eleitor de Oslo aos jogos de inverno de 2022 parece com a dos brasileiros nos protestos em massa de junho passado: muita grana gasta com festa e pompa, ao invés de usa-la para coisas mais importantes como melhorias na saúde, educação e infraestrutura das cidades.

Para uns, é dinheiro demais mal gasto; para outros, trata-se da identidade nacional

Aqueles que apoiam a ideia argumentam que não se trata apenas de dinheiro, mas de algo essencial para a própria formação da identidade nacional norueguesa. Argumentam que é um investimento na formação de futuros atletas que serão responsáveis por manter a tradição e o renome da Noruega nos esportes de inverno, assim como aconteceu nos jogos de Lillehammer em 1994, um evento repleto de simbolismo, guardado com carinho na memória dos noruegueses. O video institucional da prefeitura de Oslo mostra bem o tom nacionalista que os marqueteiros políticos recomendam.
Por outro lado, muitos criticam o legado deixado pelos jogos passados (Oslo 1952, Lillehammer 1994), afirmando que boa parte da infraestrutura criada hoje está sub-utilizada, e que portando esse dinheiro deveria ser gasto com outras coisas mais importantes. Assim vociferou por exemplo um articulista do popular jornal Dagbladet:  "todos em Oslo sabem que a cidade tem grandes desafios no tocante ao seu desenvolvimento, modernização e nova infraestrutura. Muitos entendem também que uma Olimpíada que custa 35 bilhões de coroas [US$ 5,5 bi] não é o caminho natural para resolver esses problemas. [...] A campanha pró-Olimpíada não está ancorada no povo; ela é feita pelos cartolas, empresários e políticos que gostam de se mostrar nos camarotes VIP sob os holofotes das grandes festas desportivas."

Olympiapark in Lillehammer, Opening Ceremony February 12, 1994, Norway, Norge
Jogos de Inverno de Lillehammer em 1994 é até hoje lembrado com orgulho pelos noruegueses


O barato que sai caro

O tamanho da conta é claro um dos principais focos do debate: enquanto o orçamento oficial fala em US$ 5,5 bilhões, até mesmo entre os cartolas desconfia-se que a conta é subestimada e pode chegar a até o dobro. Outro aspecto é quem paga: o Estado Norueguês - entenda-se o cidadão-contribuinte - deve arcar com a dolorosa quase toda, seja ela do tamanho que for.
"Para vender o evento, fazem um orçamento subestimado de propósito; os organizadores não querem que pareça muito caro", comenta um professor de economia. No entanto, na hora do vamos-ver a coisa é outra: "No começo é para ser barato e sem pompas. Mas a experiência mostra que o evento é usado para promover a cidade, para festas e tantas outras coisas. Não corresponde com a sobriedade apresentada no início", soltou o professor.
No Brasil, por outro lado, até hoje sequer existe um orçamento previsto para a Olimpíada de 2016; quando sua candidatura foi lançada em 2009, o número publicado era de cerca de R$ 23,2 bi (US$ 9,7 bi). Em 2011, já tinha gente dizendo que esse custo batia já nos R$ 41,5 bi (US$ 17,3 bi), o que chegou a ser confirmado pela Autoridade Pública Olímpica.
Os apoiadores do evento em Oslo argumentam que não importa o quanto se gasta, e sim os quanto se ganha com os retornos econômicos gerados, estimados em cerca do triplo do investido. Exatamente a mesma retórica usada por Lula na época em que o Brasil ganhou o direito de sediar o evento: "Nós estamos investindo na nossa nação, nós vamos ter de investir mais na formação profissional de atletas, nós vamos ter de construir mais coisas, melhorar ruas, melhorar o metrô, melhorar as avenidas, melhorar o transporte, ou seja, tudo isso é investimento para a Olimpíada, mas, ao mesmo tempo, são investimentos que vão permitir a melhoria da qualidade de vida do povo da cidade do Rio de Janeiro", disse o ex-presidente na época. Já vimos esse filme?


Conflito de geração: velhos egoístas

Apesar da importância dos jogos de inverno para a identidade nacional, aqueles que vivenciaram esse momento nos anos 50 e 90 são justamente os que mais rejeitam a ideia de novamente sediar o evento em 2022. As pesquisas de intenção mostram que o maior índice de rejeição está concentrado em faixas etárias maiores, e que entre os jovens a ideia de sediar uma olimpíada de inverno não é tão ruim assim, pelo contrário pode vir a ser divertida.
Essa peculiaridade levou o debate a alcançar tons inusitados recentemente, quando apoiadores da ideia saíram chamando os mais velhos de egoístas e estraga-prazeres, por quererem privar os jovens de vivenciar uma olimpíada de perto, como fizeram em 1994 ou 1952.

Plebiscito de mentirinha

Embora a resistência à ideia de sediar a Olimpiada de Inverno de 2022 seja grande, a pressão por realiza-la parece ser maior. Alguns cartolas já saíram dizendo que não se deveria nunca ter se convocado um plebiscito para decidir isso, e que a população não sabe o que é melhor para ela própria. O prefeito de Oslo já aventou a possibilidade de atropelar o pleito e apresentar a candidatura independentemente do resultado; na página da internet da prefeitura onde se anuncia o pleito da semana que vem, o plebiscito consta como de caráter "consultivo".


http://www.valg.oslo.kommune.no/folkeavstemning/hvordan_ser_stemmeseddelen_ut/
http://www.nrk.no/sport/slik-krympet-de-ol-med-6-mrd-1.11207887
http://www.nrk.no/sport/idretts-norge-i-tvil-om-ol-budsjett-1.11212314
http://www.dagbladet.no/2013/08/31/kultur/meninger/hovedkommentar/kommentar/ol/28998588/
http://esporte.uol.com.br/rio-2016/ultimas-noticias/2013/08/02/organizacao-adia-para-o-fim-do-ano-divulgacao-do-custo-da-olimpiada-de-2016.htm