sábado, 12 de setembro de 2009

Povo indígena Sami: racha dentro do Arbeiderpartiet sobre mineração em terras indígenas favorece FrP no parlamento Sami


Uma disputa entre a ala indígena e não-indígena do Arbeiderpartiet na província de Finnmark (ver mapa abaixo) sobre repartição de benefícios advindos da mineração tem indiretamente favorecido o FrP.



Em junho de 2009 a Noruega aprovou uma nova lei de mineração, que regula entre outras coisas a atividade minerária nas províncias do norte. A lei estabeleceu uma sobretaxa específica para a atividade minerária para a província de Finnmark, parte do território Sami, com base na necessidade de proteção da cultura Sami. No entanto, as regras sobre repartição de benefícios não agradaram os indígenas, que manifestaram seu descontentamento através do Parlamento Sami (Sametinget), que se negou a dar o consentimento para a lei, em novembro de 2008, exercendo as prerrogativas da Convenção OIT 169.
Para entender melhor qual é a pinimba em jogo, é preciso entender um pouco da estrutura legal que apóia as demandas dos Sami. A legislação norueguesa que reconhece os direitos dos Sami tem como origem a histórica resistência dos indígenas contra o projeto da barragem de Alta-Kautokeino, aprovado pelo parlamento em 1978. O projeto inicial previa a inundação de uma aldeia, depois foi reformulado, mas mesmo assim foi alvo de um movimento de resistência e desobediência civil importante. Greves de fome, ocupação dos canteiros de obra e confrontos com a polícia, no entanto, não impediram o governo de construir a barragem, com a bênção jurídica da suprema corte, em 1987.
Embora tenham perdido essa batalha, acabaram vencendo outras: ao longo do movimento de resistência foram criados dois comitês de negociação com o governo norueguês, que resultaram na Lei Sami (1987), que criou as bases para o parlamento Sami1 (Sametinget). Outro resultado concreto foi a aprovação, em 2005, da Lei de Finnmark2 (Finnmarksloven), que transfere a administração de quase toda a província de Finnmark a uma organização público-privada.
Essa Finnmarksloven criou uma figura jurídica curiosa: antes a propriedade da terra na província pertencia ao Estado norueguês, e sua administração era feita por uma empresa estatal de colonização e administração florestal (Statskog SF). Depois da briga sobre a barragem, o governo foi pressionado a ceder a uma maior influência dos Sami sobre a gestão do território de Finnmark.
A Finnmarksloven cedeu a propriedade de quase toda província para a Finnmarkseiendommen (FeFo), uma figura jurídica que se aproxima ao que seria uma Organização Social (OS) no Brasil: pessoa jurídica de direito privado, cuja propriedade é do parlamento Sami e do governo da província (esse modelo, guardadas proporções, era parecido com o que o ISA propunha para os Distritos Sanitários Indígenas, e para o PRDIS no Rio Negro: criação de uma OS responsável pela gestão da política, com agilidade gerencial de empresa privada, mas com controle social público.
A FeFo é a proprietária das terras de Finnmark, e tem por objetivo administrar o uso da terra e os recursos naturais. Essa administração é feita por uma comissão paritária nomeada pelo governo da província e pelo Parlamento Sami, que também tem a responsabilidade de orientar os trabalhos da FeFo, embora a organização seja autônoma. A gestão dos recursos naturais inclui por exemplo o reconhecimento dos direitos de moradores de Finnmark em pescar, caçar, coletar ovos e frutas, cortar madeira para fins pessoais, entre outros usos. Sempre que um parque nacional for criado na província, deve haver ênfase em garantir a continuidade dos usos tradicionais, especialmente ligados à pesca e pastoreio de renas. A lei abre a possibilidade da FeFo ou moradores atingidos pedirem indenização por perdas financeiras em razão da criação de parques nacionais. Enquanto entidade privada, esse direito está adstrito também ao quadro regulatório que se aplica a qualquer propriedade, inclusive a legislação mineral, cujos recursos também são propriedade do Estado e cedidos mediante licença administrativa.
A nova lei de mineração estabelece os seguintes pagamentos: (i) taxa ao Estado, (ii) taxa ao proprietário da área no valor de 0,5 % do faturamento bruto da empresa exploradora, e (iii) sobretaxa na província de Finnmark, administrada pela FeFo, a ser estabecida pelo Executivo.
Os Sami reivindicam duas coisas, basicamente: (i) querem participação na tomada de decisão do empreendimento minerário e nos lucros, através da adoção de uma taxa indígena (urfolksavgift), além de recursos a título de compensação pela ocupação do território; e (ii) que os efeitos da lei se estendam para além da província de Finnmark, onde também há comunidades Sami, embora em menor número.


Oposição aos Sami polariza a sociedade, fortalecendo a extrema direita e o FrP
O Sametinget, assim como o parlamento geral, é composto por parlamentares filiados a partidos políticos. Atualmente, o partido trabalhista conta com a maioria dos assentos no Sametinget. No entanto, na questão específica da mineração, a ala Sami do Arbeiderpartiet (Sami-Ap) entrou em rota de colisão com a ala não indígena do partido ligada à província de Finnmark (Finnmark-Ap). Essa briga interpartidária, de acordo com alguns jornais, vem abrindo espaço para o Fremskrittpartiet, de extrema direita, que até hoje não tem nenhum voto no parlamento Sami, mas que segundo as pesquisas de opinião, pode ganhar um ou até dois assentos nas eleições, que acontecem juntamente com as eleições do parlamento geral (Stortinget).
O Fremskrittpartiet é contrário a qualquer política que estabeleça diferenciação de grupos na sociedade em função de gênero, religião ou origem étnica. A proposta do partido é desmantelar todas as conquistas dos Sami até agora: (i) retirar os subsidios para o pastoreio de renas pelos Sami, (ii) dissolver a FeFo, (iii) dissolver o parlamento Sami, e (iv) retirar a assinatura da Noruega da Convenção OIT 169, alegando que essa convenção é irrelevante como instrumento para regular a relação entre samis e noruegueses no país.
Para conseguirem isso, pretendem obter o máximo de assentos neste parlamento, e uma vez dentro, trabalhar para dissolve-lo.



1http://www.samediggi.no/
2http://finnmarksloven.web4.acos.no/artikkel.aspx?AId=147&MId1=140

A Burguesia vai ficar rica: a um dia da eleição na Noruega, pesquisas mostram maioria burguesa, retrocesso socioambiental e na cooperação internacional


A disputa pelo parlamento norueguês, que se resolverá nas eleições desta 2a feira (14/09/2009) está dividida em dois blocos: os socialistas (Arbeiderpartiet, SV e Sp), atualmente no governo, e os burgueses (Høyre, Venstre, Kristenligfolkpartiet e Fremskrittpartiet). Há um racha entre os burgueses: O Høyre (conservador), Venstre (liberal) e Kristenligfolkpartiet (cristão-democrata) formam uma coalizão; o Fremskrittpartiet, de extrema direita, é o maior partido do bloco, mas não tem a simpatia dos irmãos menores burgueses: Venstre e Kristenligfolkpartiet não aceitam um governo com o FrP; este, sendo o maior, claro, não aceita apoiar um governo do qual não faça parte; o Høyre, segundo maior do bloco, é amigo de todos e topa governar em qualquer coalizão desde que seja burguesa.
As eleições para o Parlamento estão empolgantes: há uma semana, o Høyre (partido Conservador) cresceu a ponto de se tornar o pivô da ala da direita: na coalizão com o Venstre e o Kristenligfolkpartiet, ficam maiores do que o colega extremo, Fremskrittpartiet. No entanto, perdem para o Arbeiderpartiet, base da coalizão socialista e maior partido da Noruega, onde os outros parceiros (SV e Sp) são bem menores.
A última pesquisa publicada na 6a feira, 11 de setembro de 2009, mostra que o parlamento deve se tornar de maioria burguesa:



Burgueses: quem vai quebrar sua promessa?
A questão que se coloca agora é quem deve se tornar primeiro-ministro. Para que os burgueses superem a força dos socialistas e tomem o governo, o Fremskrittpartiet, que não aceita ficar de fora, precisa ou apoiar a coalizão Høyre/Venstre/KrF de fora, porque menor que os três juntos, ou se unir a algum deles. O aliado natural do FrP é o Høyre, cabeça da coalizão e que topa com todos. Se Høyre e FrP se aliam, o Høyre perde a cabeça de chave, e o FrP indicaria o primeiro ministro, mas garante um aliado poderoso à sua plataforma. E como ficam o Venstre e o KrF, que dizem que não topam o FrP? Voltam atrás e entram numa barca burguesa total, ou viram oposição minoritária? A questão aí se tornou quem irá quebrar sua promessa eleitoral; ao que parece, quem tem mais a perder, que no caso seriam Venstre e KrF, os irmãos menores. Nessa hipótese, os dois partidos mais extremos do espectro burguês, embora tenham se afastado durante toda a campanha, podem se aliar já na noite da eleição para garantir o Executivo.
Caso todos os partidos burgueses noruegueses revelem a nobreza de honrar tudo o que dizem, nesse caso cederiam lugar para os soclalistas, o que permitiria a continuidade de um governo do Arbeiderpartiet, agora em posição minoritária no parlamento, e portanto com o ônus - e o bônus - de ter que negociar com todos os partidos do espectro, sendo o maior deles. Para o Ap de Jens Stoltenberg, é bom negócio, já que ocasionais alianças com os burgueses permitiriam ao partido avançar mais em sua própria plataforma do que lidar com os incômodos dos irmãos socialistas menores, SV e Sp (e o Rødt, o PC norueguês, que deve conseguir a maior votação da história, e ganhar até dois assentos).

Fremskrittpartiet e Siv Jensen como primeira-ministra: populismo e detonação ambiental
Do ponto de vista socioambiental e da cooperação internacional, uma aliança Høyre/FrP e um governo de Siv Jensen não seria lá muito bom para a pauta socioambiental e da cooperação internacional.
O Fremskrittpartiet (FrP, Partido Progressista) é considerado o mais radical partido de direita da Noruega, e o partido com maior votação entre os conservadores. Em fins de agosto, o partido lançou sua plataforma para os primeiros 100 dias de governo, e as reações do movimento ambientalista foram imediatas.
O FrP combina medidas populistas com uma política de privatização pesada do Estado norueguês, para fortalecer o setor privado. Consequência disso são as políticas ambientais, que acabam ficando abaixo da crítica.
O FrP pretende transformar a matriz de transportes do país de veículos coletivos para o carro particular, sugerindo: (i) aumentar o limite de velocidade das estradas, (ii) eliminar os “pardais”, (iii) eliminar os pedágios, (iv) construir mais estradas (e menos ferrovias), (v) reduzir os impostos sobre combustíveis (gasolina mais barata). Combina também medidas puramente populistas de incentivo ao consumo, como liberar a venda de bebidas alcoólicas em lojas (hoje apenas cerveja é vendida em loja, o resto somente pode ser vendido por um monopólio do Estado), e permitir que lojas abram aos domingos.
A política de privatização do FrP inclui abrir o capital de basicamente todas as empresas públicas, especialmente a StatoilHydro, a percentuais que variam de 34 a 67%. Críticos a essas medidas alertam que a Noruega pode estar abrindo um flanco para a dominação por outros países, como por exemplo a China, que tem grande interesse em obter uma posição dominante no setor produtivo de alumínio. A proposta de abrir o capital da empresa norueguesa de exploração de carvão em Svalbard, no Ártico, em 67%, pode significar, para alguns, a possibilidade de abrir para empresas russas de exploração, o que poderia ameaçar a própria soberania do país sobre o arquipélago, que durante anos foi objeto de disputa entre russos e noruegueses.
O foco do partido em fortalecer uma matriz energética individualista e dependente do petróleo acarreta em uma política climática suja. Além de estimular maior consumo, o partido pretende abrir os campos de petróleo em Lofoten e Vesterålen, no Norte, para exploração imediata, com vistas a produção já em 2010.
Na arena internacional, o Fremskrittpartiet questiona uma premissa básica já superada nas discussões científicas do IPCC: de que as mudanças climáticas são efetivamente causadas por atividade humana. Na prática, a posição do partido equivale à do governo dos Estados Unidos durante a gestão Bush. A proposta é rever a posição da Noruega já para a próxima reunião das partes em Copenhagen. Até agora, a posição do país, avalizada pela coalizão socialista de Jens Stoltenberg, tem sido a de envidar esforços para alcançar um acordo pós-Kyoto o mais amplo possível, envolver outros países ricos na estratégia de redução de emissões por desmatamento, comprometer-se a investir no desenvolvimento de tecnologias energéticas limpas, e dar maior foco na economia doméstica de emissão de carbono. 

Cooperação internacional: bico seco e foco na África
Na cooperação internacional, a burguesia deve contar dinheiro: devem estabelecer regras mais rígidas diante de indícios de mau uso de recursos pelos países beneficiários, e focar apenas na África, em detrimento de Ásia e América Latina. Há uma crítica dos conservadores ao atual governo em relação a uma suposta “falta de foco” na cooperação internacional, que conduziria a menos resultados do que se a política fosse dirigida apenas à região mais prioritária. Daí de se esperar redução dos investimentos na cooperação em geral, e certamente na política climática, o que pode levar a uma redução na prioridade de apoio ao Fundo Amazônia, ou na tendência já antevista na última reunião com a Ajuda da Igreja da Noruega, de que todos os recursos da cooperação sejam canalizados ao Fundo Amazônia e daí sejam acessados pela sociedade civil, de acordo com a burocracia e regras do fundo e do BNDES, o que dificultaria a relação entre as organizações brasileiras e norueguesas de cooperação.